A
campainha tocou e não esperava por ninguém naquele horário, final da tarde de
domingo. Ao olhar no olho mágico da porta tenho uma leve surpresa: ele. Abri a
porta e ele pediu para entrar. Deixei. Saiu entrando como se a casa fosse dele.
Na verdade, já foi. Sentou no sofá e disse que queria conversar. Eu ainda
estava na porta.
-
Quanta coisa mudou por aqui. O sofá que ficávamos deitados no final de semana
todo ficava ali. Essa mesinha é nova! Essas fotos são recentes, você continua
linda.
Ainda
com a cara de visita inesperada respondi:
-
Faz um ano que você se foi. As coisas tinham que mudar.
-
Posso preparar aquele chá que você gosta?
-
Fique a vontade.
Ele
se dirigiu a cozinha e conversando como se nada tivesse acontecido. Como se a última
vez que ele saiu pela porta da minha sala fosse mais cedo para ir ao trabalho. Ficou
perdido na cozinha.
-
Minha linda, será que você pode me ajudar aqui? Não estou encontrando nada. Você
mudou tudo por aqui!
Muda,
fui e separei o que ele precisava e voltei para a sala. Sentei na cadeira perto
da janela e acendi um cigarro. Olhei para a porta da sala e um filme me veio à
cabeça:
“Ele
saiu por aquela porta há um ano atrás com todas as suas coisas e nem ao menos
me disse tchau. Sem nenhuma explicação. Apenas pegou suas coisas e foi embora. Tornou-se
a pessoa mais fria do mundo. Liguei várias vezes pedindo ao menos uma explicação
e ele disse que não queria mais, que queria seguir sua vida. Pediu para que eu
seguisse a minha vida. Ele foi frio. Ele mudou do nada. Estávamos bem no dia
anterior. Sempre estivemos bem. Falava dele com o maior orgulho e amor que
poderia sentir por alguém. Ele saiu, foi embora e me deixou aqui sozinha. Ele não
quis saber das minhas dores, do meu amor por ele, foi egoísta. Pensou nele.”
-
Aqui está minha linda o seu chá preferido.
-
Obrigada.
-
Pelo visto as coisas mudaram por aqui.
-
Tiveram que mudar. Você me fez mudar. O seu egoísmo fez tudo mudar.
-
Sim, sei que errei e estou aqui para te pedir desculpas e te pedi uma chance. Fiz
tudo aquilo, pois não acreditava que era merecedor de tanto amor e felicidade. Nunca
quis te fazer sofrer, mas infelizmente fiz. Desde que me separei de você nada
na minha vida deu certo. Não consigo me envolver com mais ninguém. Eu ainda amo
você. Talvez seja tarde demais para lhe falar isso, mas precisava. Precisava te
pedir uma chance. Sei que muita coisa mudou por aqui, que você mudou, porém,
ainda quero aquela menina linda que sempre tive em meus braços e a soltei.
-
Você não me soltou, você que fugiu.
-
Eu sei, quero voltar.
-
Muita coisa mudou a começar pelo meu sentimento perante você e pelo chá. Esse não
é mais meu chá preferido e sentimento por você é uma coisa que não existe mais.
-
Mas...
-
A última vez que você saiu por aquela porta foi por vontade sua e você nem ao
menos se importou comigo. Hoje você sai por aquela porta devido a minha vontade
e não quero saber se você vai chorar, se vai querer se afundar, se vai quer sumir
do mundo, se isolar de tudo, perder noites de sono, acordar chorando no meio da
madrugada, sentir falta de quem ama, Acontece que agora eu não quero mais
porque simplesmente perdeu a graça como você dizia para seus amigos quando
terminou comigo.
-
Isso tudo é vingança. Sei que quer se vingar. Te entendo.
-
Não é uma vingança minha. É uma vingança da vida. Ela me fez não te querer
mais.
Levantei-me
e fui em direção a porta. Abri e ele saiu por ela que nem na última vez, mudo
sem dizer ao menos um tchau.
Heloísa
Lugão
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